segunda-feira, maio 20, 2024

CONTE UMA HISTÓRIA!!!

 


“CONTE  UMA  HISTÓRIA”

Ao  meio  dia  de  uma  sexta – feira,  sem  nenhuma  ocupação  naquele  momento,  fui  à  barbearia  do  amigo    Barbeiro.  Estando  lá,  sentando  em  um  banco  durinho,  pois  é   de  cimento,  enquanto  aguardava  minha  vez,  principiei,  ainda que  superficialmente  a  observar.  Na  minha  mente,  um sensor  foi  atentando  para  a  singularidade  das  situações  que  ali  se  iam   desenvolvendo.

A  barbearia  é  simples,  mas  ao  mesmo  tempo  é  bastante  agradável.  E  isso  somente  é  possível  pela  capacidade  magistral   de  seu  proprietário,  o  senhor  José  Ribeiro  da  Silva,  de  dominar  uma  arte  dificílima  que  é  cativar  as  pessoas.  É  ele  dono  de  um  carisma  enorme;  posso  até  dar  o  título  de  artista  ao     Barbeiro.  Posso,  pois  ele  sabe  como  ninguém  atender  a  todos os  frequentadores  do  seu estabelecimento,  gregos e  troianos,  indistintamente.  E  veja  que  a  clientela  é  tanta  e  variada,  desde  o  homem  do  campo -  o  lavrador,  que  vem  de  longe  e  que  não  acha  graça   nenhuma  em  deixar – se  ficar  de  cabelo  grande,  e  tem  uns  que  acreditam  que  o  cabelo  grande  “enfraquece  o  homem”  e  que  podem  ser  chamados  de  “rabos  de  burro”,  até   o  “cidadão”  urbano,  vaidoso  e  preguiçoso,  que  procura  a  barbearia  do    para  limpar  a  cara  e  também  com  o  intuito  de  saber  das  últimas  -  as  quentinhas,   da  cidade,  nos  negócios,  no  futebol,  na  política  e,  não  podia  faltar,  na  vida  particular  dos  conterrâneos,  nos  mínimos  detalhes,  numa  troca  de  informações,  às  vezes,  as  mais  escabrosas  que  se  possa  imaginar  sobre  a  vida  alheia.

  também  vão  alguns  políticos  que  falam  de  suas  decepções, suas  lamentações;  Falam  de  colegas  vereadores,  escalando – os  como  corruptos  e  interesseiros;  alguns  pabulam  bastante,  “contam  vantagem”.  O  destaque  aqui  vai  para  um  velho  político  que  também  frequenta  o  recinto,  sempre  com  o  seu  “chapéu  de  massa”   e  é  José  como  o  dono  da  barbearia.   “Seu” Zé  Costa,  madeira  de  lei  e  de  “dar  em  doido”,  experiente  nas  lides  políticas,  é  conservador  e  conversador,  tem  muitas  histórias  e  muito  a  ensinar  aos  mais  jovens.  Comenta – se  que  numa  campanha  política,    Costa,  engasgado  com  o  resultado  da  eleição,  “mandou  bala”  nos  adversários;  sabe – se  que  morreu  gente  até!

Mas,  enquanto  as  conversas  vão  acontecendo  e  se  cruzando,  despercebidamente,  o    Barbeiro  vai  desempenhando  o  seu  ofício.  Ao  que  chega,  ele  diz:  fulano,  conte  uma  história...e  por    começa.    é   uma  figura  ímpar: ouve  a  todos,  mesmo  que  o  papo  não  lhe  interesse.    Arriscaria  dizer  que  o  amigo    Barbeiro  seria  extremamente  útil  em  Babel:  ele  entende  todas  as  línguas,  ou  melhor  todas  as  conversas  ou,  pelo  menos,  para  o   bem  do  seu  negócio,  procura  fazê – lo.  Ele  intercala  trabalho  e  prosa,  numa  forma  de  “prender”  o  freguês.  Vez  ou  outra,  pára  a  navalha  ou  a  tesoura  para  cumprimentar  ou  trocar  uma  palavra  com  o  transeunte  que  passa  na  calçada  e  que  pára,  momentaneamente,  sob  a  sombra  benfazeja  da  acácia.  Sempre    conversando   com  a  pessoa  que  está  sentada  à  sua  cadeira, com  a  queixada  coberta  por  uma  baba,  digo,  uma  pasta  branca.  Concorda  ou  discorda,  dependendo  com  quem  fala  e  do  que  se  fala. 

Na  hora  de  pagar  a  conta,    também se  supera:  não  é  careiro  e,  por  conhecer  toda  a  sua  clientela,  tem  um  jeito  para  tudo.  Assim,  o  “volte  sempre”  não  é  preciso  ser  dito.  O  cliente  volta,  pois  o  carisma  é  grande.

Há,  ainda,  um   detalhe:  naquele  “ponto  de  encontro”  semanal  ou  quinzenal,  também  existe  espaço  para  a  cultura.     Barbeiro,  também  como  forma  de  ganhar  o  freguês,  deixa  disponível  o   jornal  do   dia  e  a  revista  Veja,  para  os  metidos  a  intelectuais,  e  também  revistas  de  mulheres  peladas  para  entreter os  frequentadores  ditos  “mundanos”.

 

Escrito  por  Messias  Costa,  Rio  de  Janeiro,  março  de  1991.   


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