O Sonâmbulo
1 Certo indivíduo, conhecido como vivedor,
aboletou-se, no caminho de sua
2 vida, no solar dum homem bonacheirão e abastado, que lhe abrira as portas para
3 um descanso ligeiro. Nos primeiros dias, o dono suportou galhardamente o
4 hóspede, oferecendo-lhe o melhor trato, fornecendo-lhe a melhor cama, o melhor
5 vinho, os melhores charutos. Passada, porém, a primeira quinzena, começou a
6 pensar em um meio, que não fosse grosseiro, de livrar-se do importuno, e achou-o.
7 Tinham os dois acabado de almoçar e repousavam, lendo jornais e fumando
8 “havanas”, à sombra das árvores. De repente, o hospedeiro recosta-se pesadamente
9 na cadeira, cerra os olhos, deixa cair a folha e o charuto, simulando um sono
10 profundo. E, como em sonho, principia a falar: “Vejam só: que maçada! Esse
11 cavalheiro vem, aloja-se em minha casa, come, bebe, fuma, diverte-se, e nada de
12 entender que sua presença já me está sendo desagradável! Será possível que ele
13 não compreenda isso?” – E, soltando um suspiro, pulou da cadeira, esfregando
14 os olhos: “Que diabo! É eu dormir depois do almoço, vêm-me logo os
15 pesadelos. E que sonho mau tive eu! Parece até que falei alto, não?” – E o
16 outro, que de cenho cerrado, prestava atenção a tudo: “É exato; você esteve por
17 aí falando; e eu, como vi que se tratava de cousas de sonho, procurei não ouvir
18 para não ser indiscreto. As palavras dos homens só têm valor, mesmo, quando
19 eles as proferem acordados”. – E o hóspede continuou na casa por mais três anos
20 e quatro meses, isto é, até a transferência da propriedade, comendo do melhor 21 prato, dormindo na melhor cama, bebendo do melhor vinho, fumando os
22 melhores charutos.
2 vida, no solar dum homem bonacheirão e abastado, que lhe abrira as portas para
3 um descanso ligeiro. Nos primeiros dias, o dono suportou galhardamente o
4 hóspede, oferecendo-lhe o melhor trato, fornecendo-lhe a melhor cama, o melhor
5 vinho, os melhores charutos. Passada, porém, a primeira quinzena, começou a
6 pensar em um meio, que não fosse grosseiro, de livrar-se do importuno, e achou-o.
7 Tinham os dois acabado de almoçar e repousavam, lendo jornais e fumando
8 “havanas”, à sombra das árvores. De repente, o hospedeiro recosta-se pesadamente
9 na cadeira, cerra os olhos, deixa cair a folha e o charuto, simulando um sono
10 profundo. E, como em sonho, principia a falar: “Vejam só: que maçada! Esse
11 cavalheiro vem, aloja-se em minha casa, come, bebe, fuma, diverte-se, e nada de
12 entender que sua presença já me está sendo desagradável! Será possível que ele
13 não compreenda isso?” – E, soltando um suspiro, pulou da cadeira, esfregando
14 os olhos: “Que diabo! É eu dormir depois do almoço, vêm-me logo os
15 pesadelos. E que sonho mau tive eu! Parece até que falei alto, não?” – E o
16 outro, que de cenho cerrado, prestava atenção a tudo: “É exato; você esteve por
17 aí falando; e eu, como vi que se tratava de cousas de sonho, procurei não ouvir
18 para não ser indiscreto. As palavras dos homens só têm valor, mesmo, quando
19 eles as proferem acordados”. – E o hóspede continuou na casa por mais três anos
20 e quatro meses, isto é, até a transferência da propriedade, comendo do melhor 21 prato, dormindo na melhor cama, bebendo do melhor vinho, fumando os
22 melhores charutos.
Humberto Campos
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