RIO
COREAÚ: ENTRE LENDAS E HISTÓRIAS
Vamos iniciar este passeio fluvial para conhecermos
um pouco do Rio Coreaú. Geomorfologicamente é “considerado como um estuário do
tipo planície costeira. [...] Próximo da desembocadura, na margem direita,
ocorre uma extensão de praias e vasto campo de dunas, e à margem esquerda, está
presente um conjunto de falésias vivas e o município de Camocim” . Contudo, nem
sempre o rio foi chamado de Coreaú. Baseado nos escritos e mapas antigos já foi
denominado de Comecy, Camocy, Camocim, Rio da Cruz, Curyhau, Croahú. Dizem que
os índios que habitavam suas margens o chamavam de Croahiú, até chegarmos ao
nome atual de Coreaú. Há até quem diga que o mesmo já foi chamado de Rio da
Santa Cruz de São Francisco . Como se pode perceber, as denominações refletem a
disputa da colonização da região, tendo-se vocábulos oriundos do idioma
holandês, tupi e português. Aliás, a denominação portuguesa de Rio da Cruz
parece ter sido a que mais durou nos tempos coloniais.
Num dos primeiros escritos sobre a nova terra
conquistada e publicada já em 1587, intitulado "Tratado Descritivo do
Brasil" de Gabriel Soares de Sousa, Camocim e o Rio da Cruz aparecem na
descrição da costa cearense, enfatizando sua denominação: “Afirma o gentio que
nasce este rio de uma lagoa, ou junto dela, onde também se criam pérolas, e
chama-se este Rio da Cruz, porque se metem nele perto do mar dois riachos, em
direito um do outro, com que fica a água em cruz”. (p.19-20). No entanto, não
somente os portugueses descobriram a beleza do lugar e a potencialidade do rio.
O processo de colonização da Capitania do Ceará pelos portugueses, como se
sabe, se deu tardiamente. Essa demora, permitiu que outros navegantes
explorassem nossa costa, como os franceses o fizeram. Quando os portugueses
deram por si, sobre a possibilidade de perderem esta parte do território no
começo do século XVII e enviaram a expedição de Pero Coelho em 1604 para a
expulsão dos franceses da Ibiapaba, há muito os mesmos já negociavam com os
índios as chamadas "espécimes de fauna e flora" da região. Por conta
desse contato, os franceses quase sempre tinham a simpatia e a aliança das
tribos indígenas e de seus "maiorais" (como eram chamados seus
líderes) nas guerras de ocupação contra portugueses e holandeses. Os franceses,
portanto, exploraram bastante o comércio com os índios Tabajaras da Ibiapaba
usando nosso rio e logicamente fazendo essa rota conhecida em seus documentos
náuticos e históricos. Como dissemos anteriormente, a expedição de Pero Coelho
de 1604 acaba por expulsar os franceses da Ibiapaba iniciando efetivamente a
colonização portuguesa na região. Contudo, com a invasão holandesa no
território que se chama hoje de nordeste na primeira metade do século XVII, os
holandeses, através da Companhia das Índias Ocidentais dominaram a região de
1630 e 1654, com o objetivo de controlar a região produtora de cana-de-açúcar,
além de, explorar a terra em busca de outras riquezas. Neste sentido, os
holandeses exploraram bastante a região do rio Camocim a ponto de terem erguido
uma fortificação para melhor proteção de suas explorações na embocadura do rio,
próximo à atual cidade de Granja, além de um outro em Jericoacoara.
Depois que o Conde Maurício de Nassau se instalou
em Pernambuco mandou missões de reconhecimento ao Ceará para sondagem de suas
potencialidades econômicas. Desta forma, Gedeon Morris confirmou a existência
de boa quantidade de sal, âmbar gris e do pau violeta (tatajuba). O explorador
holandês ainda fez referências a existência de 30 tribos tapuias e da
excelência do porto para as atividades de carregamento de navios. Disse o
explorador: "A expedição para Camocim valeu a pena. Gedeon Morris
encontrou outra salina rendosa, distante da costa apenas 1700 passos. O porto
prestava-se também ao carregamento de navios. Por outro lado, viviam nos
arredores 30 tribos tapuias, das quais apenas dez eram aliadas aos holandeses.
Por isso queria o zelandês (sic!) ir ao interior da região, a fim de atrair
mais índios para os seus homens através de atitudes humanas e de bom
tratamento. Também não esqueceu de preparar uma determinada quantidade de
madeira corante para exportação .
Já no começo do século XX, quando o porto estava no
seu auge econômico, eram os marinheiros ingleses que aportavam por aqui com
mais frequência. Um velho marinheiro nativo, o Sr. Euclides Negreiros, em
depoimento nos disse: “Quando eu era menino, subia nos navios para vender
laranjas e soins para os marinheiros ingleses (...) eu pegava os macaquinhos,
dava de comer e amansava para vender prá eles”. Mas os ingleses não foram
somente compradores de espécimes da nossa fauna. Os mesmos estiveram aqui
quando da construção da Estrada de Ferro de Sobral. Acharam bom o negócio que
depois uma firma inglesa arrendou a ferrovia através da The South American
Railway Construction Company Limited, entre 1910 a 1915 . No entanto, a
presença inglesa não ficou por aí. Nos anos 1940, a Booth Line, empresa de navegação, explorou
no Porto de Camocim o serviço de alvarengas, embarcações que faziam o serviço
de embarque e desembarque dos navios em alto mar. À época, dizia-se que o porto
de Camocim não tinha condições de receber os navios, até que o comandante do
Navio Aratanha em 1946 pôs por água abaixo essa mentira que durou mais de uma
década, a qual era reiterada pelo prático da barra e a empresa inglesa.
Continuando falando no século XX, a presença de
americanos em nossa região começou com as exportações de algodão e borracha
através do nosso porto, no chamado "esforço de guerra", contexto da
Primeira Guerra Mundial. Sintomaticamente, é no entre-guerras que se dá o boom
econômico e cultural da cidade. Já na Segunda Guerra Mundial, os americanos
cogitaram instalar em Camocim um Posto de Comando, que afinal se fixou em
Fortaleza, visto que a capital proporcionava melhores condições logísticas. No
entanto, uma pequena base militar foi construída como ponto de apoio para as
manobras militares, abrigando um grupo de militares americanos. Contudo, a
maior estrutura logística da capital, Fortaleza, suplantou a vantagem
geográfica que Camocim apresentava com relação à distância atlântica do Brasil
entre a Europa e África. Base americana em Camocim. Acervo do blog. Por outro
lado, a presença dos americanos entre nós pode ser percebida pelas lembranças
de antigos moradores. Segundo o Sr. Antônio de Albuquerque Sousa Filho, a
cidade “se tornou ponto estratégico importante, atraindo soldados
norte-americanos e com uma base onde chegaram a atracar Zepelins”. Em suas
memórias, o antigo morador salienta um clima de colaboração entre os soldados
americanos e a população local, no que se refere às trocas gastronômicas, cuja
novidade eram “as saladas de frutas em lata que os americanos distribuíam com
as famílias da cidade, que por sua vez lhes presenteavam bolos”. Relembrando os
escritos do imortal Arthur Queirós, a presença de celebridades americanas,
mesmo que por algumas horas em solo camocinense, que cruzavam o Atlântico, nas
frequentes paradas dos aviões da Panair, era um programa imperdível para os
locais que tinham acesso. "Transitaram por Camocim, portanto, muitos
notáveis, gente importante, do que mencionamos os artistas Henry Fonda (...)
Greta Garbo, por aqui esteve por duas vezes, na última em 1943, exibindo-se
para soldados e oficiais americanos aqui destacados, na Base Militar de apoio
da segunda guerra mundial, que aqui construíram (...) transitaram ainda, Buck
Jones, George O’Brien, Charles Starret, Sonja Henie e muitos outros... Dona
Darcy Vargas, esposa do grande Presidente Vargas, por aqui transitou com
destino à Norte América, ocasião em que muito aplaudida foi, pelos
camocinenses. Passado o tempo das atividades econômicas proporcionadas pelo
porto e a ferrovia, o desenvolvimento do município de Camocim, na última década
do século XX, passou a se vislumbrado pela atividade turística. Neste sentido,
mais uma vez os estrangeiros tiveram a iniciativa de explorar este setor,
principalmente os italianos. Numa tese de doutorado, o ex-professor do Curso de
Geografia da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, Lenilton Francisco de
Assis nos diz: Os empresários italianos passaram a frequentar Camocim como
turistas, a partir de 1996. Logo, perceberam que o potencial natural e
arquitetônico do município somado aos incentivos do Poder Público poderiam
gerar bons negócios imobiliário-turísticos. Para tanto, a primeira ação dos
empresários foi comprar grandes faixas de terra no litoral onde pudessem
viabilizar seus anseios e atrair novos investidores. Em poucos anos, o grupo
italiano já dispunha de aproximadamente 1.600ha de terras em Camocim
(equivalente a 1,4% do território) grande parte sendo praias desertas e pouco
habitadas que, até então, funcionavam como territórios de reserva, ainda sem ou
com pouca valorização. Terrenos planos, com vistas privilegiadas para o mar e o
rio Coreaú, foram adquiridos, a preços módicos, nas praias das Barreiras,
Maceió, Caraúbas e do Farol, assim como nas proximidades da antiga área
portuária e em outras partes do município – como no distrito industrial criado
no Plano Diretor de Camocim. Afora estas questões, a magia do rio ainda encanta
poetas, inspira histórias e lendas de pescadores e velhos marinheiros, além de
emoldurar cenários típicos, próprios para os enamorados e visitantes em busca
de uma bela paisagem para curtirem.
Ficamos, pois, com a sensibilidade do poeta
camocinense Inácio Santos, como despedida deste passeio, que esperamos que
todos tenham gostado: SEDUÇÃO É o mar que adentra ao rio Ou o rio que adentra
ao mar É uma incógnita este desafio Ninguém consegue explicar E neste embate
aguerrido De força e de grandeza Exprime todo o sentido De luz, magia, e beleza
Também não há explicação Da indescritível emoção Que se apodera de mim Meu
coração se faz mar Lá aonde vai desaguar Meu lindo rio Camocim.
Inácio Santos II SIMPÓSIO DE CAMOCIM:
língua, história e ensino. Atividade: Passeio Cultural: Rio Coreaú: entre
lendas e histórias. Guia: Prof. Carlos Augusto. História/UVA.
Fonte: CAMOCIM POTE DE HISTÓRIAS. Blog
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