MEMÓRIAS DE
UM LEPROSO. Extrato.
Anselmo
Fraga.
(...)
“Estou perturbado e
desconfiado. O olhar
insolente de uma
velha atravessa -
me a alma,
como punhais; sinto em
mim lampejos de
indignação e uma
vontade louca de
dizer coisas insolentes.
Contenho – me a custo;
a megera fita – me mais
uma vez, entediada,
como se a
minha pessoa lhe
infundisse nojo; afinal,
diz qualquer coisa
ao ouvido da
parceira, ao lado,
ouvi perfeitamente -
doido!
_ Doido
de nojo, doido
de desespero, doido
de angustia, repeti maquinalmente.
Alguns minutos mais,
a porta abre – se e
o médico, de
avental de linho
muito alvo, surge
aos meus olhos.
Ao ver – me,
faz – me um sinal
com a mão e manda – me entrar.
Sossegue, meu amigo,
disse - me
ele, carinhosamente, batendo – me no
ombro.
- Tenha
fé em Deus!
O seu exame
nada me revelou
de positivo para
lepra.
_ Não
sei o que
senti naquele instante.
Pareceu - me
que não ouvira
direito o que o
doutor dissera. Gritei – lhe então:
- Como? Fale
alto, por Deus!
Não sou leproso?...
O exame foi
negativo?!... Graças a
Deus, disse chorando
de alegria.
E
envergonhado: _ desculpe – me, doutor, tenho
dois filhinhos e esta noticia
tem para mim
uma significação inestimável;
traz - me
a doce segurança
de que eles
não serão leprosos
para o futuro...
Não é só
para mim... São eles
os meus pequeninos,
a minha luz,
a minha felicidade,
a minha vida...
(...)
_ Meu
filho, falou, afinal
o médico. A
sua prova não está completa.
Há necessidade de
provocarmos uma febre
artificial, para ver
se aumentamos a virulência
bacilar
e surpreendermos o gérmen
de
Hansen, Tenha paciência.
Um pouco mais
de sacrifício.
(...)
A esperança
é para o
coração o que
o bálsamo é para o
sofrimento; ameniza as
dores, diminui as
mágoas, conforta a
alma.
(...) _ Quer esperar
um pouco ou
vir saber do
resultado amanhã?
_ Prefiro
esperar, respondi apressado,
não sei porque,
já com sobressaltos
no coração. (...)
Não sei bem
que tempo esperei;
uma eternidade! Os minutos eram
horas, estas séculos!...
( ... ) E se
o exame fosse
positivo, agora, depois de
tantas ilusões doiradas?!... (...) um século de
alegria é pouco
para um momento
de angústia. (... )
Um silêncio sepulcral
reina no consultório
médico. ( ... ) A
porta abre -
se e enfim
o médico, com
uma sobrecarta à mão, olha
- me fixo
nos olhos, como
se quisesse ler o que
se me ia
pela alma naquele
momento. ( ... ) _ eis o resultado
do seu exame; aí
encontrará a diagnose
e os conselhos
necessários ao seu
tratamento. Siga – os à risca, para
seu benefício e para ressalva
de sua família.
( ... ) Vá, quando
necessitar de mim,
tem aqui o s eu
amigo, que como
ninguém, compreende a
sua dor. As últimas
palavras do médico
eram a confissão tácita
e terrível da
minha desgraça; já
não precisava ler a carta
para saber do resultado do
exame...
Entretanto, (...)
dilacerei a sobrecarta
e devorei com
os olhos o
papel maldito. Estava
consumada a grande
desgraça: o exame
fora positivo. Eu
era um portador
do bacilo da
morte, um leproso,
um lazarento, para
quem todas as
portas se fechariam
e a quem
todos iriam evitar
e talvez apedrejar,
como a um
cão gafento.
(... ) Para
o cão, o
home bruto e
insensato tem um
pontapé impiedoso; para
o leproso, uma
cosa mais terrível,
mais humilhante: _ o
desprezo”.
sobre o Autor
ATAUALPA BARBOSA LIMA,
MÉDICO
Atualpa era médico competente
e humanitário, acatado
como clínico e
como cirurgião. Manteve
consultório em Baturité,
Camocim, Sobral, onde
ocupou o cargo
de Chefe do
Serviço de Profilaxia,
e, por fim,
na capital do
Estado. Num tempo
em que rareavam
os especialistas, afirmou
sua presença nos
campos da neurologia,
conseguindo curar alguns
paralíticos, e da leprologia,
de cujo tratamento
se tornou um dos pioneiros
na terra natal.
Por tudo, passou
a ser considerado
um dos expoentes
da classe a
que pertencia e
a que sabia
honrar. (...) Colaborou então
na imprensa, militou
na política e
cultivou as belas
letras.
Fonte: Portal da
História do Ceará.pesquisa em 20/01/2014
Anselmo Fraga era
o pseudônimo de Ataualpa Barbosa
Lima para produzir
Memórias de
Um Leproso.
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