…”Na tarde do último domingo, 15 de novembro
(2009), o violonista cearense NATALÍCIO
“NATO” LIMA, 91 anos, radicado há várias décadas nos Estados Unidos, perdeu
a longa batalha contra um câncer de estômago. Ele estava internado no Katerina
Nursing Home, em New York City.”
————-
Segundo todos os seus fascinados contadores a
história de Los Indios Tabajaras é tão inacreditável que bem poderia
ser uma história de cinema. De todos estes contadores o mais feliz foram
o próprio Nato Lima (Mussapere) e Luiz Nassif que conseguiu este
fantástico depoimento dele, Mussapere-Nato, em 2004, por
telefone, do qual publicamos aqui alguns
trechos:
“NASCI NA SERRA DO IBIAPABA, ENTRE PIAUÍ E
CEARÁ. NESTA SERRA, EM 1929, EXISTIA
UBAJARA, CIDADE PEQUENA, LUGAR FAMOSO HOJE. Naquela época não era. Um dia
apareceu por lá uma tropa de militares, chefiada pelo tenente Hildebrando
Moreira Lima.
Era muita gente e mudou nossa história. Não
tínhamos cidade, éramos uma tribo mesmo, fomos criados na tribo Tabajara, morando
em um terreno que não era nem Ceará nem Piauí, era uma área de litígio.
A tropa de militares foi para lá para amparar
uma tropa que vinha do Piauí, de um lugar chamado Tucurutiba. Passaram por lá
20 dias. Fizemos amizade. Não éramos aqueles selvagens que todo mundo dizia que
os índios eram. Nós estávamos a um quilômetro da beirada da serra.
Um dia meu pai saiu da aldeia e disse que viu
um buraco enorme nos pé da serra. Nós estávamos na chapada e meu pai havia
visto serra abaixo. Aí começou uma ventania, uma chuva e ele passou três dias
ali. Quando voltou à tribo nossa, antiga, disse que nunca havia visto buraco
tão grande. Viu lua sair do chão. Nós ficamos curiosos porque nunca vimos lua
sair de lugar nenhum, apenas de trás das árvores.
Nós fomos em três irmãos até lá, chegamos lá
e começamos a comer fruta enorme, besta, que não vale nada, chamada Ingá, maior
que feijão e contém espécie de algodão em volta, muito doce, muito bom. Quando
olhamos, vimos um violão, metemos a mão, fez aquele som, levamos um susto.
Levamos para tribo. Naquela época, os índios
não deixavam ninguém chegar a menos de 600 metros dali. Vivíamos isolados. O
violão causou transtorno na tribo. Havia outro som que escutávamos às seis da
tarde, e não sabíamos o que era. Nós, pequenos, pensávamos que era violão. Era
sino de cidade a uns 60 quilômetros dali, o sino de Ibiapina, assim chamada
porque lá era terra completamente pelada.
Um dia um soldado levou flechada, era um
soldado baiano, um mulatinho bonito. Os curadores da tribo curaram com infusões
em menos de cinco minutos, uma espécie de leite que se faz da folha de uma
árvore. Dois ou três pingos igual que leite. Depois de cinco minutos fica uma
cola horrível. Nossos curadores curaram aquele soldado que caminhou na mesma
hora. Os soldados ficaram muito admirados. Eles já tinham trazido caixão branco
com cruz. Começou ali amizade entre ele e uma das meninas da tribo.
Quando soldados se foram começamos a sentir
saudades do café, bolacha redonda de meio palmo e carne seca. Nós não conhecíamos,
e também gostávamos da corneta dos corneteiros. Só tocava quando ordenado, mas
algumas vezes tocava algumas coisas.
Eu tinha 8 ou 10 anos. Tribo tinha menos
índios que soldados, que eram mais de mil. Nós éramos uns 700.
Diziam que meu pai era guerreiro ou chefe.
Não era. Ele perdeu o colar de guerreiro, porque na tribo o guerreiro ganha
aquele colar de dente de onça. E o pai perdeu por coisa incorreta que fez. Não
permitiam nem que ele caçasse. Para casar necessita ser guerreiro. Como tinha
casado antes de perder o colar, tinha 13 filhos.
A mãe estava grávida do 14º, todos homens,
cada um com seu número no nome. Mas a gente dava número e não conseguia contar
mais que cinco. Toda noite contava as estrelas e não passava de cinco.
Usavam muito medicina de mato. Eu gostava de
comer barro e passava mal. Tinha vício daquilo e quase morri. Os curadores
diziam que eu iria morrer daquilo, porque criava bicho na barriga.
Os militares foram embora, mas nos deixaram
batizados. Padre que se chamava Magalhães, andava sempre de preto e se
ajoelhava, a gente ficava admirado. Na cidade tinha gente de todas as cores,
preto, branco, loiro, alguns com barba no rosto.
No Rio, começamos a tocar na rua. E nos
jogavam algum dinheiro e a gente ia vivendo bem, mas dava muito vergonha porque
éramos grandes, já.
Dali saímos a viajar no Circo, fomos a Belo
Horizonte. Durante o dia fomos a um cassino e conhecemos artistas, o Alvarenga
e Ranchinho. Até falei para a minha esposa que quer ir lá, porque tinha águas
quentes…E fui também para Ouro Preto e Alto do Rio Doce. Chegamos a ir até a
rádio Nacional, depois de voltar do Cassino da Pampulha.
Eu disse ao Alvarenga: agora nós temos um som
de qualidade. Mas temos problema, porque o cassino em que vocês trabalham quer
nos contratar, mas nós temos contrato com o circo, que não paga coisa nenhuma.
Ele disse: “vocês vão me levar ao circo que falo com o dono e rompo com o
contrato de vocês. Agora à noite, quando for tocar, vocês desafinam os dois
violões e cantam muito ruim, o pior que vocês podem. O dono do circo vai ficar
muito zangado”.
O dono do circo sabia que nós éramos dos
índios e tínhamos estampa boa, mas não sabia que a gente cantava. O povo
aplaudia por causa da roupa indígena e da simpatia, mas o talento era muito
ruim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário