Eu os escutava muito quando era pequeno, porque fizeram grande sucesso na Era do Rádio, quando a música era somente música, sem imagem, e não dependia da carinha bonita, do rosto varonil ou da roupa exótica de quem estivesse cantando. Não que os Índios Tabajaras dispensassem este último item. Nas revistas e jornais daquele tempo surgiam as fotos daquele “cadavre exquis” antropológico: dois índios cor de bronze, cheios de penachos e pinturas de urucum, empunhando violões iguais ao de Canhoto ou de Dilermando Reis. Eram anunciados pelo locutor com certo espanto. Era como se dissesse: “E agora com vocês, pelas ondas da Rádio Borborema, um quarup gravado in-loco diretamente da tribo dos Urubu-Kaapor na Amazônia!” Tipo isso.
Ouvir uma música tocada pelos Índios Tabajaras gerava uma expectativa meio surrealista. Com dez anos, sentado no sofá da casa da Rua Miguel Couto, eu ouvia o rádio enchendo a sala, não com um quarup cheio de maracás e bate-pés, mas dois violões (ou guitarras com eco, tipo havaiana) de límpido timbre, solando: “Maria Helena és tu... a minha... inspiração...” É pena que esta coluna seja em mero papel, leitor, mas os Índios Tabajaras que mesmerizaram minha infância podem ser escutados hoje no YouTube. Por exemplo, seu lado romântico e melódico está em “Begin the Beguine” de Cole Porter (somente áudio: http://tinyurl.com/2ga3du3), no tema de “Johnny Guitar” (somente áudio: http://tinyurl.com/26sm33d). Mas imaginem o pasmo dos gringos vendo-os, paramentados de índio, tocando clássicos como a “Hora Staccato” de Grigoras Dinicu (http://tinyurl.com/2fdzf68).
Nasceram na serra do Ibiapaba (CE), foram morar na cidade, aprenderam a tocar violão. Tocaram no Brasil inteiro nos anos 1950. Viajaram pelo mundo, e a partir dos anos 1960, com músicas estouradas nos EUA, mudaram-se para lá. No início dos anos 1970 tinham 48 LPs gravados com 8 milhões de cópias vendidas. Muita gente se pergunta por que motivo esses caras foram tão famosos fora do Brasil e hoje ninguém mais lembra deles. Eu diria que, por um lado, eles sofreram da Síndrome de Carmen Miranda, do exotismo que fascina lá fora mas aqui dentro provoca um muxoxo de desconfiança: “Pra que essa palhaçada?... Por que não se vestem como qualquer pessoa?...” O povo brasileiro tem uma relação estatisticamente contraditória coma exploração do próprio exotismo. Mas não há como um norte-americano ou um europeu não ficar embasbacado diante de dois índios tocando peças clássicas impecavelmente, ao violão. Parece cena de um filme de Glauber.
Para terminar, vejam Nato, o solista, explicando com bom humor alguns aspectos de sua técnica: http://tinyurl.com/2bsenp6, e depois dando um arraso naquele número que é um teste tradicional de velocidade, o “Voo do Besouro” de Rimsky-Korsakoff. E um pequeno clip dos dois sendo saudados nos programas de Johnny Carson, Ed Sullivan, etc.
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