O CORTEJO
NA MADRUGADA
M. Costa
A
notícia corria. Várias
pessoas contavam a
história. Um dia,
alguém me contou,
de viva voz.
Aconteceu lá prás
bandas da Taperacima.
Talvez aí pelo
tempo de 932
ou no período
de 51 a 53, quando
a seca foi
braba. O zunzum
se espalhava e
era mais ou
menos assim. Um
morador da região,
numa madrugada fria, viu uma
“visagem”. O susto
foi muito grande
e não foi
conferir para saber
o que era
na verdade. Na
escuridão, ele viu
um cortejo, que
tinha apenas dois
vultos carregando uma
rede atravessada num
pau. Ele, então,
se perguntou onde
seria o enterro,
se por ali
não havia cemitério?
Mas enterro àquela
hora? Não tinha
sentido aquele cortejo. Era
noite escura, um
breu só, e
de quinta para
sexta – feira quando, diziam, aparecia
o lobisomem. “Bateu
com os pés
na bunda” de
tanto correr com
medo.
E
a notícia começava
aí. O compadre,
em conversa na
casa do primeiro,
foi o segundo
a saber da visagem que
aparecia na estrada
da zona do “tope”. O
compadre, sem dormir no
meio da noite,
passou o relato
para a mulher de
casa e da mulher de
casa, que adora
um espalhar um
boato, para a
vizinha e, assim, de
boca em boca,
o cortejo ficava
famoso. Como disse
acima, o tempo
era de seca
feroz. Faltava de
tudo: a fome
era grande e
o desespero dos
rurícolas pais de
família se tornava
maior a cada
dia.
Em 32,
por sinal, o
interventor de Ubajara 2º. Tenente
do Exercito Ramiro
Antonio de Sousa, decretou:
“ fica expressamente proibida a
saída para fora
deste município, enquanto
durarem os efeitos
da atual crise
climatérica, de qualquer
quantidade de feijão,
farinha, milho,
arroz, ou outro
qualquer gênero de
primeira necessidade, produzido
ou armazenado no mesmo”.
Bom, até
aqui nada demais.
Mas vai que João Sem Medo também
ouviu a estória
e resolveu tirar
satisfação, saber mesmo
o que que
era a tal
visagem que muitos
comentavam. Sozinho, numa
noite qualquer, aprontou o
cavalo, botou o
38 na cintura
e, nas horas
em que se
comentavam que o
cortejo aparecia, para
a estrada tal,
se dirigiu. Apressou – se, pois
queria chegar antes
ao trecho.
Para
si mesmo, não
queria aceitar que estava
com medo, mas
estava. Na estrada
rumo ao local,
foi pensando em
tudo o que
poderia ser. Imaginou
muitas coisas, mas
como tinha dito
para alguns que
ia “saber” o
que era a
marmota, não podia
mais voltar; agora
era ver no que
ia dar. Andou,
andou e, enfim,
chegou ao ponto
onde diziam que
a aparição acontecia,
com certa frequência.
Eram muitos os
relatos e, sempre
que alguém contava,
aumentava um ponto.
Pronto. Chegou
ao local. o
investigador corajoso procurou
um escondido atrás
de uma moita
alta para se
ocultar, juntamente com
seu cavalo. Ali
permaneceu, sem descer
da montaria. Nunca
se sabe... Qualquer
coisa.. Esperou. Ouviu
um barulho vindo
da estrada. Pensou:
tá vindo. É
agora! Nada apareceu.
Talvez fosse apenas
uma raposa madrugadora
ou um guaxinim chupador
de cana. E
continua a espera.
E o medo,
este só aumentava. Passados alguns
minutos, já após
a meia noite, o
cavalo se assustou
com alguma coisa.
O cavaleiro procurou “afinar”
o ouvido. Vinha
de longe um
barulho. Parecia que havia
uma conversa curta.
E vinha chegando mais
perto. A lua
estava na sua
plenitude. A estrada
estava clara e calma; somente
se ouvia o som das
pisadas e as
vozes sem alteração,
quase sussurros. De
onde estava, o seu
João pôde ver
o “cortejo” chegar
bem pertinho dele,
que já estava
“arrupiado”, e passar
rumo a lugar
nenhum. Mesmo
com medo, deu
para perceber claramente
que o cortejo
era formado apenas
pelos dois carregadores
da redinha alva
que, por sinal,
parecia bem cheia.
O defunto não
era pequeno, pensou.
Agora
só tinha um
jeito: descobrir o
que era “aquilo”. Deixou os
“cabras” passarem, enquanto
o medo ia
diminuindo. Daí a
pouco, quando os dois
chegaram a curva
na estrada, pôs
o cavalo no
encalço. E foi indo.
Aumentou o andar
do animal e
começou a se
aproximar do estranho
acontecimento. Os cabras
começaram a andar
com mais velocidade,
mesmo com o
peso do defunto.
O cavaleiro, já
vendo que “não
era coisa do
outro mundo”, como
diziam, apressou mais
o passo do
seu animal e,
chegando cada vez
mais perto, viu
a rede ser
largada, atirada, na
beira da estrada
vendo, também a
“carreira” que os
carregadores da rede
deram. E sumiram.
Com medo ainda,
o Cavaleiro desceu
do cavalo e,
com o revolver
em punho para
qualquer coisa que
acontecesse naquela hora,
se dirigiu ao
lugar onde a
redinha estava jogada. Ele
arrumou então mais
um pouco de
coragem e abriu
a rede e
o que viu?? Não tinha
defunto algum. A rede estava
cheia de mandioca.
Os
cabras estavam roubando
mandioca na região
para fazer farinha
na noite seguinte para
não chamar a
atenção. A farinha seria
usada na troca
por outros gêneros
para dar de
comer aos seus
familiares. Era tempo
de miséria grande,
provocada pela seca cruel.
E a
visagem acabou por
aí e esta
estória também.
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