A LUTA PELO CONTROLE DO PODER E DA RIQUEZA
EM VIDAS SECAS.
A
novela Vidas Secas,
do alagoano Graciliano
Ramos é, em
praticamente todo o
seu desenvolvimento, conto
a conto, um
embate pelo controle
do poder e
da riqueza, tendo
como foco a
existência de um
camponês, melhor, um
sertanejo denominado Fabiano
e sua família
composta de Sinhá
Vitória, dois filhos,
o mais velho e o mais novo
e a cachorra
Baleia, em fuga,
empurrados pelas agruras
da seca.
São
vários os pontos em
que Fabiano se apresenta como
apenas o indivíduo
sem posse de
conhecimento e de
forças e condições
de dirigir o
seu próprio destino.
Há momentos em
que deseja ser
alguém, mas logo
volta atrás, quando
se arrisca a
pensar em si
mesmo e nos
que com ele
subsistem aos sofrimentos
impostos pela seca.
“Lembrou – se dos filhos,
da mulher e
da cachorra, que
estavam lá em
cima, debaixo de
um juazeiro, com
sede.”
A FAMÍLIA
A
sua família, retrato
fiel e realístico
de algumas áreas
sertanejas, composta de
Sinhá Vitória, uma
quase nada, que
não fala, não
discute, quase grunhe,
do filho mais
novo, do menino mais
velho, que nem
nome de gente
tem. Observe – se que
no contexto intrínseco
da família de
Fabiano está inclusa
a cachorra Baleia,
como membro ativo
e que até
provém de comida
o grupo, quando
consegue trazer para
o jantar o
preá que caçou.
“BALEIA”,
Escultura
rústica de galho
de arbusto da
região de Japitaraca,
Jaburu, Ubajara.
A
terminologia empregada pelo
autor quando se
refere ao proprietário
é um demonstrativo
da relação capitalista
em busca do
poder e da
riqueza que aconteceu
e acontece ainda
hoje no nordeste
brasileiro.
Fabiano, em
seus monólogos de
pensamento definia a
figura como o
fazendeiro, o patrão,
o amo, dando
a entender que
todo patrão é
igual e afirmava:”
o atual, por
exemplo, berrava sem
precisão. Quase nunca
vinha à fazenda,
só botava os
pés nela para
achar tudo ruim.
O gado aumentava,
o serviço ia
bem, mas o
proprietário descompunha o
vaqueiro. Natural”. ( até achava )”
Descompunha porque podia
descompor ( ... ) o amo
só queria mostrar
autoridade, gritar que
era dono”.
Na
verdade, na luta
pelo poder e
pela riqueza, o
proprietário agia de
forma que o
vaqueiro Fabiano se
sentisse “uma coisa
da fazenda, um
traste”, “ quase uma rês
na fazenda alheia”,
por fim: somente um
cabra guardador das
coisas dos outros.
O
CONFLITO DE FABIANO
A
condição de Fabiano,
por vários vezes,
em momentos de
análise sobre a
sua própria existência,
passa por raros
e breves instantes
de euforia,
quando afirma “ - Fabiano,
você é um
homem”. No ato
seguinte ele se
contém: “ele não
era homem: era
apenas um cabra
ocupado em guardar
as coisas dos
outros”. É bastante
interessante o ponto
em que ele
conclui: “ vermelho, queimado, tinha
os olhos azuis,
a barba e
os cabelos ruivos;
mas como vivia
em terra alheia,
cuidava de animais
alheios, descobria – se, encolhia – se na
presença dos brancos
e julgava – se cabra”.
Nesse
contexto de luta
entre vaqueiro e
fazendeiro, pela riqueza
e o poder
de um lado
e de outro
a labuta pela
sobrevivência, é bem
interessante o paralelo
das formações frasais: “Fabiano, você
é um bicho”
e “ Você
é um bicho,
Baleia” que deixa
transparecer que o
autor não impõe
distinção entre pessoas,
bichos e coisas,
na relação cruel
do capitalismo.
O capítulo X - CONTAS, parte
do livro de
Graciliano Ramos, é
claríssimo para elucidação
do assunto da
luta pelo poder
e, principalmente pela
riqueza. Como Fabiano
permaneceu na fazenda
por uma jornada,
ele tinha direito
a quarta parte
dos bezerros e
a terça parte
dos cabritos. Mas
como não tinha
roça e apenas
se limitava a
semear na vazante
uns punhados de
feijão e milho,
comia da feira,
desfazia – se dos animais,
não chegava a
ferrar um bezerro
ou assinar a
orelha de um
cabrito”. Desta forma,
se a fazenda,
na contagem, tinha 20
bezerros
e trinta cabritos,
isto significa que
o patrão ficava
com 15 bezerros e
10 cabritos que,
no final, acabavam
sendo negociados com
o próprio patrão
ou com o
bodegueiro da vila
que também tivesse
talvez ligação com
o proprietário. “Tolice,
quem é do
chão não se
trepa”. Acabados os
gêneros alimentícios da
família, “recorria à
gaveta do amo,
cedia por preço
baixo o produto
das sortes”, mesmo
contra a sua
vontade pois “receava
ser expulso da
fazenda. E rendia – se:
aceitava o cobre e ouvia
conselhos. Era bom pensar no
futuro”.
Fabiano não
tinha como se
indispor com o
patrão. E vagamente,
“o ferro do
proprietário queimava os
bichos de Fabiano”.
Não demorava para
o sertanejo, o
vaqueiro estar contraindo
dívidas novamente, pois
não tinha mais
o que vender.
Na próxima partilha,
a renda já
estava comprometida e
então recebia uma
ninharia.
Ainda
no conto supracitado,
a passagem a
seguir é bem
vinda à nossa
discussão:
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transacao meio
apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitoria mandou os meninos para o
barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chao sementes de varias especies, realizou
somas e diminuicoes. No dia seguinte Fabiano voltou a cidade, mas ao fechar o
negocio notou que as operacoes de Sinha Vitoria, como de costume, diferiam das
do patrao. Reclamou e obteve a
explicacao habitual: a diferenca era proveniente de juros. Nao se conformou: devia haver engano. Ele era
bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha
miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Nao se descobriu o erro, e
Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o
que era dele de mao beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca
arranjar carta de alforria!
O patrao zangou-se, repeliu a
insolencia, achou bom que o vaqueiro fosse procurar servico noutra
fazenda. Ai Fabiano baixou a pancada e
amunhecou. Bem, bem. Nao era preciso
barulho nao. Se havia dito palavra a-toa, pedia desculpa. Era bruto, nao fora
ensinado. Atrevimento não Atrevimento não tinha,
conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia la puxar questão com gente
rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os
homens. Devia ser ignorancia da mulher, provavelmente devia ser ignorancia da mulher. Ate estranhara as
contas dela.
Enfim, como nao
sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara
na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava nao cair noutra.
O amo abrandou, e Fabiano saiu de costas,
o chapéu
varrendo o tijolo. (... ) conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia la puxar questão com gente
rica?”
NOÇÃO
DE FELICIDADE
“Minutos depois,
o preá torcia – se
e chiava no
espeto de alecrim. (...) Eram todos
felizes.” A felicidade,
neste caso, chamava – se
alimento. A sua
falta gera infelicidade.
A
REALIDADE
Vidas Secas
é uma obra
fadada a ser
uma expressão da
nossa realidade brasileira
por longo tempo
pois o sertão
nordestino ainda tem
muitos Fabianos, comandando
suas famílias presas
por condições desumanas
a um rico
proprietário. Messias Costa, blogger
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