terça-feira, setembro 27, 2016

VALE LER sobre LOBISOMEM E GRITADOR





AS  HISTÓRIAS  SOBRE  LOBISOMEM  E  GRITADOR

In 
RAIZES  DO  PIAUI, romance  histórico
Por   Adrião  Neto, 


(Extrato)
1 – A Viagem Para o Brejo do Mocha


Novembro de 1696.
Naquela noite de quinta-feira, enquanto milhares de estrelas enfeitavam o céu, a lua cheia, exibindo a figura de São Jorge, montado em seu cavalo branco, flutuava no espaço sideral a iluminar a densa floresta daquele sertão bruto, povoado de índios bravos, animais ferozes, fantasmas, duendes e almas penadas.
O vento frio, do início da madrugada, soprava forte a revirar a folhagem do arvoredo.
O silêncio da noite entrecortado pelo pio de uma coruja solitária e pelo canto agoureiro de um rasga-mortalha, que, de quando em quando, sobrevoava aquela região, evidenciava o som melódico de uma pequena cachoeira situada no desnível de uma formação rochosa erguida no leito do riacho ali próximo, onde ao entardecer os viajantes tomaram banho e lavaram os seus animais.
Dominado pelo cansaço e pelo sono, o Padre Tomé, deitado numa rede branca de algodão, surrada e um tanto encardida, armada debaixo de um árvore copuda, roncava alto a incomodar os seus colegas de jornada, especialmente o Padre Miguel de Carvalho, que, juntamente com o seu irmão, Padre Inocêncio de Carvalho e Almeida, além de não suportarem mais as picadas dos pernilongos, estavam atordoados com a incessante cantiga de grilos.
Com o arcabuz entre as pernas, acocorado ao lado da fogueira, o chefe da escolta dando a última baforada no “pau-ronca”, jogou a “bitoca” na labareda.
A lenha crepitava no fogo e enquanto a chama se retorcia ao sabor do vento expelindo uma fumaça escura, o arcabuzeiro lambeu os lábios e apoiando-se na arma, levantou-se com agilidade e leveza.
Ao se levantar, colocou a arma no ombro e segurando-a pelo cano, caminhou até uma árvore onde apanhou uma cabaça de pinga que estava dependurada num toco de galho.
O pio da coruja, entrelaçado com o som tenebroso do rasga-mortalha lhe causou um grande arrepio, fazendo-o lembrar das inúmeras mortes que carregava nas costas.
Enquanto os seus cabelos se arrepiavam de medo, o Gritador, uma das maiores assombrações do Sertão de Dentro, entrou em ação. Os gritos ecoavam distantes fazendo-o tremer.
Tentando se encorajar, o chefe da escolta tirou a rolha da cabaça e entornando-a na boca, tomou uma grande golada.
O som estridente da voz do gritador sumiu repentinamente, dando lugar ao latido de desespero do cachorro do tropeiro, que ao se afastar do acampamento no encalce de um tatu, caiu nas mãos de um caipora, que, de cipó em punho, lhe aplicava uma longa surra.
Despertando do sono, enquanto o Padre Inocêncio se mexia na rede, o Padre Miguel levantou-se e, aproximando-se da fogueira, ficou observando o guia que, sem bater a pestana, estava de olhos arregalados para o galho de uma árvore.
– O que olhas? – Perguntou o Padre.
– Tô espiando aquela coruja agourenta duma peste, que ainda vai terminar virando tira-gosto de cachaça.
O sacerdote, sorrindo, sacou o cachimbo do bolso da batina e municiando-o de fumo, juntou um tição em brasa para acendê-lo.
Uma rajada de vento revirava as folhas das árvores. Enquanto o padre amedrontado, se acocorava ao pé da fogueira, ao lado do guia, este, deu mais uma baforada em seu cigarro de palha e, demonstrando tranqüilidade, falou:
– Não se assuste com os seres do outro mundo. O Gritador não faz mal a ninguém e o Caipora só ataca os cachorros e mesmo assim quando os donos não lhe agradam com um pedaço de fumo.
O Padre Inocêncio, levantando-se da rede dirigindo-se ao guia:
– Já que você é tão entendido nesse assunto, nos conte uma dessas histórias de assombração.
– Que tal eu lhe contar a história do Lobisomem?
– Tudo bem!
O guia temperou a garganta e foi logo desembuchando:
– O Lobisomem é uma marmota muito feia... É o resultado da transformação de um homem amancebado na figura do diabo. Dizem que de sete em sete sextas-feiras, ele, ainda sonâmbulo, sai de casa para se transformar na figura do capeta. Meia noite em ponto ele tira a roupa e, depois de virar todas as peças pelo avesso, se deita no espogeiro de um jumento. E, rolando no chão, três vezes para um lado e três vezes para o outro, se transforma num bicho feio e cabeludo. Ao se levantar sai correndo mundo afora e antes da última cantada do galo percorre sete províncias, em cada uma visita sete encruzilhadas, sete cidades, sete adros de Igreja, sete cemitérios e em cada um destes, sete túmulos. Aonde ele passa a cachorreira vai latindo atrás, mas como ele é muito ligeiro os cachorros não chegam nem perto. Ao terminar o seu percurso, volta para o lugar de partida. Veste a roupa e, sonâmbulo vai embora, sem se lembrar das suas peripécias. Dizem que é um bicho muito perigoso. Capaz de estraçalhar uma pessoa, mas se alguém conseguir lhe causar qualquer ferimento, extraindo-lhe pelo menos uma gota de sangue, ele se transforma em gente ali na bucha e nunca mais volta a virar Lobisomem. No entanto, se no momento em que ele andar cumprindo a sua sina alguém desavessar as suas roupas, nunca mais ele volta a ser gente. Vira alma penada e fica vagando no Além.


 
fonte  citada  acima. VISITA 27 SET 2016

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