segunda-feira, janeiro 20, 2014

MEMÓRIA DE UM LEPROSO: DICA DE LEITURA




 MEMÓRIAS  DE  UM  LEPROSO. Extrato.
                                                                        Anselmo  Fraga.
            (...)           
            “Estou  perturbado  e  desconfiado.  O  olhar  insolente  de  uma  velha  atravessa  -  me  a  alma,  como  punhais; sinto  em  mim  lampejos  de  indignação  e  uma  vontade  louca  de  dizer  coisas  insolentes.  Contenho – me  a  custo;  a  megera  fita – me  mais  uma  vez,  entediada,  como  se  a  minha  pessoa  lhe  infundisse  nojo;  afinal,  diz  qualquer  coisa  ao  ouvido  da  parceira,  ao  lado,  ouvi  perfeitamente  -  doido!
           _   Doido  de  nojo,  doido  de  desespero,  doido  de  angustia,  repeti  maquinalmente.      Alguns minutos  mais,  a porta  abre – se  e  o  médico,  de  avental  de  linho  muito  alvo,  surge  aos  meus  olhos.
           Ao  ver – me,  faz – me  um  sinal  com  a  mão  e  manda – me  entrar.    Sossegue,  meu  amigo,  disse  -  me  ele,  carinhosamente,  batendo – me  no  ombro. 
          -   Tenha    em  Deus!  O  seu  exame  nada  me  revelou  de  positivo  para  lepra.
          _    Não  sei  o  que  senti  naquele   instante.  Pareceu  -  me  que  não  ouvira  direito o  que  o  doutor  dissera.  Gritei – lhe  então:   -  Como?  Fale  alto,  por  Deus!  Não  sou  leproso?...  O  exame  foi  negativo?!...  Graças  a  Deus,  disse  chorando  de  alegria.
         E  envergonhado:  _   desculpe – me, doutor,  tenho  dois  filhinhos  e  esta  noticia  tem  para  mim  uma  significação  inestimável;  traz  -  me  a  doce  segurança  de  que  eles  não  serão  leprosos  para  o  futuro...  Não  é    para  mim... São  eles  os  meus  pequeninos,  a  minha  luz,  a  minha  felicidade,  a  minha  vida...
(...) 
       _   Meu  filho,  falou,  afinal  o  médico.  A  sua  prova  não  está  completa.    necessidade  de  provocarmos  uma  febre  artificial,  para  ver  se  aumentamos  a  virulência  bacilar  e  surpreendermos  o  gérmen  de  Hansen,  Tenha  paciência.  Um  pouco  mais  de  sacrifício.
(...)
       A  esperança  é  para  o  coração  o  que  o  bálsamo  é  para  o  sofrimento;  ameniza  as  dores,  diminui  as  mágoas,  conforta  a  alma.
(...)  _ Quer  esperar  um  pouco  ou  vir  saber  do  resultado  amanhã?
        _  Prefiro  esperar,  respondi  apressado,  não  sei  porque,    com  sobressaltos  no  coração.  (...)  Não   sei  bem  que  tempo  esperei;  uma  eternidade!  Os  minutos  eram  horas,  estas  séculos!...  ( ... )  E  se  o  exame  fosse  positivo,  agora, depois  de  tantas  ilusões  doiradas?!... (...)  um  século  de  alegria  é  pouco  para  um  momento  de  angústia.  (... )  Um  silêncio  sepulcral  reina  no  consultório  médico.  ( ... )  A  porta  abre  -  se  e  enfim  o  médico,  com  uma  sobrecarta  à  mão,  olha  -  me  fixo  nos  olhos,  como  se  quisesse  ler  o  que  se  me  ia  pela  alma  naquele  momento.  ( ... ) _  eis  o  resultado  do  seu  exame; aí  encontrará  a  diagnose  e  os  conselhos  necessários  ao  seu  tratamento.  Siga – os  à  risca,  para  seu  benefício  e  para  ressalva  de  sua  família.  ( ... )  Vá,  quando  necessitar  de  mim,  tem  aqui  o s eu  amigo,  que  como  ninguém,  compreende  a  sua  dor.                                                                     As  últimas  palavras  do  médico  eram  a  confissão  tácita  e  terrível  da  minha  desgraça;    não  precisava  ler  a  carta  para  saber  do  resultado  do  exame...
     Entretanto,  (...)  dilacerei  a  sobrecarta  e  devorei  com  os  olhos  o  papel  maldito.  Estava  consumada  a    grande  desgraça:  o  exame  fora  positivo.  Eu  era  um  portador  do  bacilo  da  morte,  um  leproso,  um  lazarento,  para  quem  todas  as  portas  se  fechariam  e  a  quem  todos  iriam  evitar  e  talvez  apedrejar,  como  a  um  cão  gafento. 
     (... )  Para  o  cão,  o  home  bruto  e  insensato  tem  um  pontapé  impiedoso;  para  o  leproso,  uma  cosa  mais  terrível,  mais  humilhante: _  o  desprezo”. 

   sobre  o  Autor
ATAUALPA BARBOSA LIMA,      MÉDICO

Atualpa  era  médico   competente  e  humanitário,  acatado  como  clínico  e  como  cirurgião.  Manteve  consultório  em  Baturité,  Camocim,  Sobral,  onde  ocupou  o  cargo  de  Chefe  do  Serviço  de  Profilaxia,  e,  por  fim,  na  capital  do  Estado.  Num  tempo  em  que  rareavam  os  especialistas,  afirmou  sua  presença  nos  campos  da  neurologia,  conseguindo   curar  alguns  paralíticos, e  da  leprologia,  de  cujo  tratamento  se  tornou  um  dos  pioneiros  na  terra  natal.  Por  tudo,  passou  a  ser  considerado  um  dos  expoentes  da  classe  a  que  pertencia  e  a  que  sabia  honrar. (...)  Colaborou  então  na  imprensa,  militou  na  política  e  cultivou  as  belas  letras.   
                              Fonte: Portal  da  História  do  Ceará.pesquisa  em 20/01/2014
 Anselmo  Fraga  era  o  pseudônimo   de  Ataualpa  Barbosa  Lima  para  produzir  Memórias  de  Um  Leproso.

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